Peregrinação à Divina Pastora

Confiram as fotos da peregrinação de alguns membros de nossa comunidade ao Santuário de Divina Pastora, por ocasião do Ano Santo da Misericórdia:

Os Salmos da Misericórdia - Parte 4 (final)

Continuação da reflexão dos Salmos da Misericórdia

Proposta: antes de ler a presente reflexão, faça uma leitura orante do salmo 92 em sua Bíblia.

7. Salmo 92 (Cântico. Para o dia de sábado). Este salmo é um típico exemplo de hino e pode ser subdividido da seguinte forma:
Vv. 2-4. Convite a louvar o Senhor. A bondade da ação de graças dirigida a Deus no cântico não para (v. 3): do romper da manhã e durante toda a noite. A bondade e a fidelidade são atributos divinos que são louvados. O imaginário do saltério recorre a instrumentos musicais para descrever a alma do louvor, no qual o canto e a música se harmonizam para exprimir a alegria do espírito do orante.
Vv. 5-14. Corpo do hino. Os vv. 5 e 10 marcam a divisão em duas estrofes do corpo laudatório:
Vv. 5-9. O Senhor é mais forte do que os malfeitores. Os dois primeiros versículos (5-6) concentram-se no Senhor. Ele é o motivo de alegria para o orante, por causa de suas maravilhas e da obra de suas mãos, segundo o estereótipo da sua ação como Criador. Mas a experiência do salmista (vv. 7-8) não é universal, no sentido de que não é experienciada por todos os seus semelhantes; pelo contrário: o homem insensato não a conhece e o ignorante não a compreende. O juízo sobre a sorte deles é claro: como a erva tem vida breve, assim a vitalidade dos malfeitores é somente um fenômeno momentâneo. À brevidade da sua vida sobre a terra corresponde, por acréscimo, uma ruína eterna. A superioridade do Senhor não teme o obscurecimento momentâneo do seu projeto, porque Ele, do alto de sua posição, tudo domina. Ele é excelso, substantivo, com conotações históricas e mitológicas: o maior entre todos os deuses, o inatingível, o imbatível.
Vv. 10-14. Depois das declarações do v. 8, reafirma-se a clara convicção de que os malfeitores – aqui chamados de ‘inimigos’, confirmando o perfil negativo que até aqui se foi traçado -, serão eliminados e dispersos (v. 10). Continuando a analogia com a erva do campo, diz-se que eles perecerão e serão dispersos. A imagem do búfalo (v. 11) é particularmente evocativa. O orante, que recupera as próprias convicções de fé perante o possível descrédito representado pelos malfeitores, é apresentado como um búfalo no auge de sua força muscular, animal indômito que não se sujeita a ser utilizado na agricultura e cuja ferocidade o faz levar sempre a melhor sobre os inimigos. A unção (v. 11) tonifica o músculo, fá-lo mais esplendoroso e preparado para a batalha. Da descrição desta força da natureza passa-se ao contexto totalmente humano do desafio entre inimigos (v. 12): o olhar lançado contra o próprio adversário exprime coragem e desdém. O segundo símbolo que domina o salmo é a palmeira (vv. 13-14). A ênfase se dirige não tanto para os frutos, mas para o vigor, em coerência com a outra imagem, a do búfalo. A proximidade ao cedro do Líbano confirma a ideia do poder que caracteriza o justo, que está fixo, bem plantado como um mastro extraído do tronco desta planta. A particularidade destas duas árvores está no lugar em que foram plantadas, porque embeleza o átrio do Templo. A mensagem parece ser a seguinte: somente se o orante permanecer no espaço da fé pode desfrutar da seiva que provém do Senhor e receber estabilidade.
Vv. 15-16. Estes dois versículos encerram a composição que, segundo o gênero literário do hino, deveria servir para reiterar o convite ao louvor. Aqui tal convite aparece de leve, se bem que presente. Completa-se o ciclo vegetativo iniciado com o florescimento (vv. 13-14), porque se mencionam os frutos da velhice, enquanto se sublinha novamente o vigor da palma e do cedro (v. 15). No final, o salmista abre o jogo: não se pode atribuir à responsabilidade divina a desgraça do justo e o favor de que goza, por sua vez, o malfeitor; o Senhor é reto e demonstra-o fortalecendo o justo na fé, inserindo-o numa relação vital com Ele, libertando-o das areias movediças da incredulidade.  

Os Salmos da Misericórdia - Parte 3

Continuação da reflexão sobre os Salmos da Misericórdia

Proposta: antes de ler a presente reflexão, faça uma leitura orante dos salmos 51 e 57 em sua Bíblia

5. Salmo 51. O mais famoso salmo penitencial recitado por Davi depois de cometer o adultério e denunciado por Natã (2Sm 12,1-14).
Vv. 3-11. Confissão da culpa e pedido de perdão. Aqui se descreve o estado de alma do penitente que, reconhecendo as suas transgressões, invoca a misericórdia divina.
Vv. 3-4: O pedido de purificação. O pecado é mencionado com três nomes diferentes, para exprimir a totalidade de sua transgressão. Pede-se que estes três pecados sejam, respectivamente, apagados, lavados e purificados. O orante invoca o pleno perdão divino, recordando o amplo leque de pecado e fazendo apelo ao amor misericordioso de Deus, ou seja, da sua fidelidade amorosa.
Vv. 5-8: A confissão do pecado.  Após o pedido de perdão, o primeiro ato do penitente é reconhecer o seu pecado. Tomar consciência da própria condição sem a esconder exprime a atitude de quem se dispõe a reconciliação. O v. 7 repete a profissão, por parte do orante, do seu estado de pecado. Ele está esmagado por esta realidade negativa desde que foi concebido. Ao longo da história da interpretação, com efeito, este versículo foi interpretado como prova de impureza da união sexual até mesmo no matrimônio. Ao que parece o texto não pretende dizer tal coisa, mas intensifica a perspectiva do penitente, que adverte uma arcaica e conatural propensão para o pecado. Mas também é verdade que Deus lhe pode doar sapiência para o orientar numa nova existência (v. 8).
Vv. 9-11: Invocação de purificação. A ligação clássica pecado-castigo explica o estado de bem-estar descrito no v. 10: se o pecado provoca a aflição, mesmo física, quando a pessoa é perdoada, é lógico que experimente a alegria e a saúde em todas as dimensões. Se o pecado faz do homem um esqueleto, o perdão enche-lhe de carne (cf. Ez 37). Por isso, reitera-se o pedido de misericórdia que percorre esta primeira parte do salmo, pedindo a Deus, depois de ter considerado as suas mazelas, que não as leve em consideração.
Vv. 12-21. Súplica de uma nova relação com Deus. Uma vez perdoado, a força que deriva dessa nova condição o leva a busca de uma nova relação.
Vv. 12-14: Coração e Espírito: A presença (a face) de Deus e o seu Espírito Santo são, por isso, imagens da mesma pessoa divina que de maneira performativa se volta benevolente para o penitente.
Vv. 15-19: A promessa de um compromisso. Como acontece quase sempre nas súplicas, o orante propõe-se assumir um compromisso que confirme as suas intenções. O aleluia (v.17) dirigido a Deus é a melhor oferta que se lhe pode fazer; vale mais do que os holocaustos e os sacrifícios rituais. Tudo é novo na vida de quem experimentou o perdão: coração, espírito, ossos, boca, lábios, língua. Nos vv. 18-19 formula-se o proposto de não se deter apenas num culto exterior.
Vv. 20-21: Final comunitário. Os dois últimos versículos são um acréscimo do tempo do exílio ou do imediato pós-exílio. Como muitas vezes nos salmos, a comunidade chama a atenção para a necessidade de atualizar o conteúdo do poema, relendo-o à luz dos acontecimentos que marcam a história. A menção aqui é a exílio da Babilônia. A releitura comunitária do salmo chega à consideração de que, se durante o exílio a matéria do sacrifício era representado pelo choro amargo (Sl 137), agora é o momento de uma liturgia mais pura e, portanto, mais agradável, porque inspirada por um coração humilhado.

6. Salmo 57. Este salmo apresenta-se como uma súplica dirigida a Deus. Faz referência à fuga de Davi das mãos do rei Saul (1Sm 24); é um testemunho vivo dos sentimentos de angústia e confiança vividos naquele momento. A estrutura da composição é muito simples, podendo ser divido em duas partes, intercalado por um refrão:
Vv. 2-6. Súplica. Abre-se num apelo suplicante, em busca de abrigo, refúgio, para este se serve da bela imagem das asas, para indicar que quando o perigo vem de baixo (dos inimigos) o Senhor eleva para o alto, longe das insídias dos homens.
V. 4. As duas asas sob as quais o orante encontra proteção são o amor misericordiosos e a fidelidade, uma dupla que exprime a intimidade da natureza divina na história dos homens; quando ele se revela, o faz manifestando o poder inspirado no amor.
V. 5. A segunda imagem é do leão, que tem a ver com a linguagem bélica. A referência ao estar deitado em meio faz referência aos inimigos que ocupam o mesmo espaço vital. Estes podem ser os piores.
V. 6. Um refrão fecha a primeira parte. Recorrendo ao simbolismo cósmico-espacial do céu e da terra, o salmista exprime o poder divino que se estende em altura e profundidade, um modo para dizer que é ilimitado. Neste ponto da composição, o versículo apresenta-se como uma invocação por parte de quem se encontra em dificuldades.
Vv. 7-12. Ação de graças. A segunda parte mistura motivos sapienciais, desde a imagem da rede às imagens da alegria e do canto típicas do hino como convite ao louvor, e conclui com o refrão do v. 12, que serve de antífona final.
V. 7. A lei do contraste encontra-se admiravelmente neste versículo: o mal se volta, antes ou depois, contra o seu autor. O salmista pede justiça e quer ser subtraído às garras dos seus inimigos. Neste versículo, confessa a sua confiança na forma de Deus agir porque sabe que quem faz o mal será, no fim, vítima do malefício perpetrado.
Vv. 8-9. Sublinha-se a solidez do que o orante adverte, juntamente com a vontade resoluta de exprimir de tal estado de alma inspirado na alegria. O coração firme é uma expressão que declara a nova realidade do penitente, é quase como um renascer.
Vv. 10-11. Depois do convite, entoa-se o canto. Podemos vislumbrar um duplo movimento de louvor: um vertical, que tende a atingir o céu e, com ele, o ponto mais afastado e inatingível (v.11); o outro, horizontal, voltado para todos os povos da terra.
V. 12. O refrão encerra a segunda estrofe e todo o salmo, colocando-se como selo das alturas místicas já atingidos pelo orante. O salmo não diz se ele foi libertado dos seus inimigos, mas contempla a misericórdia divina, quase se esquecendo de sua dor; poder-se-ia dizer: não importa se os inimigos fazem ainda ouvir os seus ruídos ameaçadores, o que importa é o amor ilimitado do Senhor, que é a melhor garantia para o fiel em dificuldade.

Os Salmos da Misericórdia - Parte 2

Continuação da reflexão sobre os Salmos da Misericórdia

Proposta: antes de ler a presente reflexão, faça uma leitura orante dos salmos 41,42 e 43 em sua Bíblia.

3. Salmo 41. Neste salmo domina o tom da súplica: um doente dirige-se ao Senhor para ser liberto de sua enfermidade, na sólida certeza de que a sua oração será atendida, porque o Senhor é piedoso. Podemos dividir esse poema em quatro partes.
Vv. 2-4. Hino sapiencial. É um bem aventurado, aquele que pode se aproximar do Senhor com confiança, pois goza de sua proteção nos momentos mais difíceis. Assim se proclama feliz quem ama a Deus e se faz solidário com o próximo.
Vv. 5-10. Lamento contra o inimigo. A relação delito-castigo aparece nas palavras do orante, que invoca sobre si o perdão divino: reconhecendo, pois, a própria culpa, ele espera a sua cura. Ele não parece preocupado com o castigo divino, pois confia em Deus, mas teme a presença dos inimigos. A falsidade desses supostos amigos torna particularmente desagradável sua visita, até porque eles, ao saírem da casa do doente, desafogam a sua maledicência, pois julgam que ele esteja doente por própria culpa. Quando um amigo atraiçoa, há sempre um misto de surpresa e de desilusão. Os gestos de intimidade (comer juntos) são evocados com particular angústia e lidos à luz da nova situação de solidão.
Vv. 11-13. Profissão de fé. O salmista tem plena fé em Deus, por ter sido liberto dessa condição indigna. Por trás dessa confiança há também o desejo de que Deus retribua à tal maldade.
V. 14. Releitura comunitária. A experiência única e irrepetível do orante é acolhida no patrimônio de fé da comunidade e consignada à oração de todos. Neste versículo, a bênção dirigida ao Senhor e a menção de Israel fecham a composição, conferindo-lhe um tom positivo e doxológico (= de louvor).

4. Salmos 42 e 43. Originalmente formavam um único salmo, algo comprovado por alguns elementos que se repetem. Podemos subdividi-lo em três momentos:
42,1-6: Nostalgia do passado. O poeta projeta a sua imagem num animal, o cervo, para falar de sua busca inquieta de Deus, mas quando ele poderá contemplar a face de Deus? O salmista encontra-se afastado de Deus, talvez esteja no exílio, já que se recorda de suas peregrinações ao Templo. Ele descreve um estado de desgaste interior. As lágrimas como alimento são uma metáfora da dor profunda e prolongada. Há uma pergunta por Deus, em tom sarcástico que vem pronunciado, provavelmente, pelos opressores (babilônicos). Isso torna ainda mais penosa a condição do orante. No v. 6 ele descreve seu estado de tristeza e desconforto, mas logo depois ele se reabilita diante de Deus, pois pode continuar a louvá-lo.
42,7-12: O presente amargo. A tristeza da condição presente (do exílio) torna ainda mais áspera a recordação do passado. O elemento aquático reaparece, mas de modo negativo. Foi Deus que os levou para longe da terra prometida, como punição por seu pecado. Mas em meio dos castigos e tormentos, aparece a misericórdia divina como dom cotidiano que o Senhor oferece ao seu fiel, por isso ele louva a Deus, ao mesmo tempo em que eleva os seus questionamentos.
43,1-5: Com uma linguagem tipicamente forense, o orante pede justiça a Deus, porque se sente falsamente acusado. A luz e a verdade divina são como duas asas que podem leva-lo à montanha de Deus, ao seu templo e ao seu altar; retornam as imagens litúrgicas do início. Ele sabe que Deus agirá e isto torna menos amarga a condição de exilado, porque o Senhor habita no coração do orante, fazendo já sentir a sua presença. 

Os Salmos da Misericórdia


     Dentro do material produzido pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização para o ano Santo da Misericórdia, contemplam-se os Salmos que traduzem a misericórdia divina. Os salmos tem um significado expressivo na tradição religiosa não só dos judeus, mas também dos cristãos; uma das heranças que trazemos da piedade e da liturgia judaica. O objetivo do Conselho Pontifício é oferecer um instrumento pastoral para ajudar na reflexão dos peregrinos.
     Antes de comentar os chamados salmos de misericórdia, segue uma apresentação geral desse livro e da importância dos salmos na vida dos fiéis e da Igreja que utilizamos na nossa manhã de formação a título de introdução.

O Saltério, ontem e hoje. O texto hebraico dos Salmos foi traduzido para o grego, para o uso dos judeus da Diáspora – em meados do século II a.C. – a Septuaginta. Uma descontinuidade na numeração provém do fato de alguns salmos de uma das tradições encontrarem-se cindidos em dois pela outra, por exemplo, o salmo 9 e 10 da bíblia hebraica corresponde ao 9 da tradução Grega e Vulgata; o salmo 116 da bíblia hebraica corresponde ao 114 e 115 do Grego e da Vulgata.
- Israel, através da sua história muitas vezes tormentosa, continuará a recitar, a meditar e a cantar o saltério, por ocasião de suas festas nacionais e religiosas, no ritual sinagogal, no lar – tanto que se pode escrever que os judeus nascem com este livro nas entranhas.
- No NT, os salmos são citados mais de 100 vezes.

- A essa longa história corresponde toda uma história espiritual. Gerações de crentes, judeus e cristãos de todas as confissões, têm inspirado sua oração e sua vida nos salmos. Esses textos bíblicos têm suscitado homilias e comentários, vivificado a piedade individual e coletiva, provocado pesquisas exegéticas. A renovação litúrgica levada a efeito nas igrejas cristãs favorece a difusão da coletânea dos “Louvores”. É certo que a piedade autêntica brota do coração e não se nutre de estereótipos literários. Mas o saltério não nos oferece orações já feitas: oferece-nos orações a ser feitas, sugere-nos “cantos novos”.
- Os salmos são a palavra de Deus; palavra que diz enquanto um homem, arrebatado por ele, diz sua palavra humana. Portanto, eles são revelações que levam à salvação. Mas isto em uma forma particular, ou seja, a da oração. Não procedem da experiência de um espírito humano – por exemplo, de um profeta – que teria conhecido a verdade divina e dito: “Assim fala o Senhor”, mas da emoção de um homem que se dirige a Deus em oração. É deste modo que os salmos devem ser propriamente interpretados; não pela leitura, pela consideração, pelo estudo, mas deixando-nos levar por eles até Deus em seu movimento.
- O ofício divino é uma liturgia da palavra e, como tal, consiste essencialmente em um diálogo entre Deus e o seu povo: ele nos fala pelas leituras, e nós lhe falamos com hinos e salmos. Na Eucaristia e nos demais sacramentos, a ação estritamente sacramental é precedida por uma liturgia da palavra, na qual o principal são as leituras, e o secundário os salmos, ou cantos com os quais respondemos a elas. Em contrapartida, na Liturgia das Horas, por ser acima de tudo oração de louvor e súplica, a primazia é dos salmos, aos quais Deus responde pelas leituras. Por isso é que as leituras da Liturgia das Horas (LH) – exceto no ofício significativamente chamado de Leitura – são muito mais breves que a salmodia.
Assim, do conjunto de elementos que integram a LH – salmos, leituras, antífonas, responsórios, hinos, preces, coletas etc. – o mais importante, sem dúvida alguma, é a salmodia. O Ofício divino é, fundamentalmente, uma salmodia adornada com alguns outros elementos.
Ao tratar da reforma do Ofício, já antes do Vaticano II, não faltaram vozes sugerindo que a Igreja deveria ter a coragem de prescindir dos salmos, por ser literatura de um povo muito distante de nós, tanto cultural como religiosamente falando. Os salmos seriam pouco apropriados para expressar a oração especificamente cristã. Mas essas vozes acabaram calando. A Igreja do concílio e do pós-concílio não se separou da tradição bimilenar que tem o Saltério como seu grande livro e escola de oração. A Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a sagrada liturgia, nem chega a levantar a questão, mas a considera definitivamente solucionada. Na Ordenação Geral da Liturgia das Horas, n. 100, se diz “na Liturgia das Horas a Igreja ora servindo-se em boa medida daqueles cânticos insignes que, sob a inspiração do Espírito Santo, compuseram os autores sagrados no Antigo Testamento. Pois, por sua origem, têm a virtude de elevar para Deus a mente dos homens, provocam neles sentimentos santos e piedosos, ajudam-nos de modo admirável a dar graças nos momentos de alegria, e lhes proporcionam conforto e firmeza de espírito na adversidade”.

1. A misericórdia é uma das características divinas que o saltério mais evidencia. A palavra misericórdia possui uma forte riqueza de significado, por isso podemos encontra-la traduzida por: ternura, graça, indulgência, bondade, benevolência, amor. O que revela um amor divino ‘entranhado’. No mundo bíblico, a parte mais íntima em que têm sede os sentimentos é precisamente o ventre/seio, e isso cria uma forte aproximação entre a Misericórdia e a geração da vida. Nesses salmos que se seguem não só expressam uma riqueza antropológica do homem, mas espelha também o rosto com que Deus se deu a conhecer, Ele que fala uma linguagem que todos podem entender e que se entretém com os homens, falando-lhes como amigos (cf. Dei verbum n. 2). Seria bom acompanhar o breve comentário com o texto do respectivo salmo.

2. Salmo 25. Atribuído a Davi, a composição apresenta-se como uma súplica individual: o orante sente-se atormentado pelos seus inimigos e dirige-se confiantemente a Deus, para que o livre dessa situação. A expressão: “A ti Senhor minha alma se eleva” ao início do salmo traduz a atitude exigida de quem ora: ‘elevar-se’ não só com a voz, mas com todo o seu ser para alcançar a esfera divina.
- Nos versículos 2 e 3 o salmista professa a sua confiança em Deus, exprimindo o desejo de não ficar decepcionado; as razões de tal esperança não se encontram ulteriormente especificadas neste versículo, porque isso será feito ao longo de todo o poema. 
- Vv. 4-5. Aparecem termos relativos ao caminho, à estrada, às veredas, aos passos que se dão, tal como parece claro o convite a Deus para que seja luz e nos conduza. Tal metáfora é uma alusão à conduta moral que o orante deseja aprender diretamente de Deus.
- Vv. 6-7. De um modo imperativo (‘lembra-te’) o orante faz apelo direto à misericórdia divina e à bondade de Deus, um estilo bíblico de súplica. Ao mesmo tempo ele parece ‘orientar’ a Deus em como proceder para com ele. O efeito desta inversão de papeis é a maior tomada de consciência do próprio pecado, que assume mais intensidade precisamente no confronto coma misericórdia divina. O salmista, já ancião, conhece o seu estado de grave transgressão.
- Vv. 8-11. Chegamos ao coração do nosso salmo. O tema do caminho e da aliança constitui o traço específico desta estrofe. De forma repetida são descritas as qualidades que pertencem a Deus (bondade, retidão, amor, fidelidade), reiterando também o conceito de Deus como mestre (vv. 8-9) e o convite ao perdão já evocado na estrofe precedente (v. 11). Os alunos aos quais o Senhor dirige suas lições são os pecadores e os pobres. O tema da aliança é importante para o salmista, porque ele sabe que a misericórdia divina está ligada ao respeito pela aliança. O orante, embora consciente do seu pecado, abre-se com a confiança dos ‘pequeninos’ à Misericórdia divina esperando o perdão.
- Vv. 12-15. Volta novamente o tema do temor do Senhor e da aliança. A reflexão move-se nas coordenadas teológicas clássicas que ligam a fidelidade de Deus ao bem-estar (saúde e descendência), que se liga ao tema da retribuição dentro do Antigo Testamento. O salmista declara que a aliança torna o Senhor tão íntimo do seu fiel, ao ponto de não lhe esconder nada (‘A intimidade do Senhor é para aqueles que o temem’).
- Vv. 16-14. A oração chega à invocação direta de Deus e da sua piedade. A súplica do salmista quer chamar a atenção sobre a sua dupla condição miserável (submerso no pecado e vulnerável ante os inimigos). Na realidade o que mais angustia o salmista parece ser o pecado: se é verdade que o inimigo está no exterior, é igualmente verdade que assusta muito mais a condição de privação da graça de Deus.
- Vv. 20-21. No fim do salmo, emergem os estados de alma que abriram o poema, mas com uma diferença: agora, o ancião orante declarou abertamente a sua condição e pode com maior confiança abrir-se à misericórdia divina, esperando o perdão. Manifestar o próprio pecado, de fato, é a precondição para obter o perdão.
- V. 22. Uma conclusão acrescentada pela comunidade orante que acolhe o grito de um sofredor e sente-o como particularmente condizente com sua própria condição. 

As Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais



    A Palavra de Deus nos revela a misericórdia a partir de situações concretas: “a misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta com que Ele revela o seu amor como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até o mais íntimo de suas vísceras” (MV n. 6). “Eterna é a sua misericórdia” dirá o salmista (Sl 136), pois reconhece que Deus tem se manifestado assim ao longo da história do povo eleito. Ser misericordioso significa ter um coração solidário com os que têm necessidade. Ela se associa a ideia que temos de compaixão e perdão. Em muitas pessoas esse agir misericordioso tem se manifestado de modo admirável, particularmente nas dificuldades sociais, econômicas ou mesmo em desastres naturais. A um sentimento comum que une as pessoas, a solidariedade e também a identificação com o sofrimento do outro, que nos faz humanos.
    É nessa perspectiva que se inserem as obras de misericórdia corporais e espirituais. Jesus dá aos seus discípulos uma ideia de comunhão ainda maior com Ele, que se fez um de nós: “Foi a mim que fizeste” (Mt 25,40). No Antigo Testamento já o profeta pensava em ações concretas pelo outro que se identificavam com o querer de Deus (cf. Is 58,6-7). Jesus se identificou com a humanidade sofredora e ao mesmo tempo nos indica o caminho do testemunho cristão, que não se situa apenas nas exigências materiais, mas também no exercício das virtudes que se fazem necessárias para vivenciar certas circunstâncias da vida, nossa e do outro.
    Quantas situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo atual, lembra o Papa em sua Bula de convocação (cf. n. 15). É a partir delas que nos abrimos para a experiência desse Ano Santo, despertando nossa consciência tantas vezes adormecida. Lembremos as obras de misericórdia corporal: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. Espirituais: dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo, rezar a Deus pelos vivos e defuntos (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2447).
    No ocaso da vida seremos julgados pelo amor, lembra São João da Cruz. Esse amor foi o desdobramento de muitas coisas em nossa vida para torna-lo concreto nas ações de nossa vida. A liturgia dominical nos tocará particularmente pelos relatos de Lucas nesse Tempo Comum: Jesus veio inaugurar não só um ano, mas o tempo da misericórdia, que se desdobrará na vida a na ação dos seus discípulos e discípulas, particularmente para com os mais pobres, nos lembra o evangelista. Em Mateus, Jesus se identifica com os ‘pequeninos’, e penso que entendemos que ele não se refere literalmente a crianças (Mt 10, 40.42).
    Nas Sagradas Escrituras a misericórdia se traduz como expressão de um sentimento que se experimenta diante de uma necessidade e infortúnio, assim como a ação que surge desse sentimento, significando ter compaixão e piedade, compadecer-se, sentir afeto entranhável (como uma mãe), ser compassivo, amar, ter carinho e terna emoção, apiedar-se, ajudar como fruto de uma relação de fidelidade, nas ações concretas que isso comporta. O próprio Jó traduz o que foi a sua vida de piedade (cf. Jó 31,16-17.19-21). O autor do Eclesiástico aponta um caminho (cf. Eclo 7,32-35).  No Novo Testamento encontraremos vários textos que bebem dessas mesmas fontes antigas, mas que tiveram uma clara compreensão a partir das palavras e do agir de Jesus: “Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia” (Mt 5,7) diz Jesus em Mateus, já apontando para o seu discurso sobre o juízo universal (Mt 25,31-46). São muitos os comentários dos Santos Padres sobre esse texto e seus significados práticos na vida cristã.
    No seu corpo, o ser humano pode experimentar a falta de recursos ou sofrer carências que são constantemente necessárias, sejam internas ou externas.  Dar de comer a quem tem fome (Mt 25,35) tornou-se uma obra eclesial derivada da ação de Jesus. Sabemos que ainda em muitos países pobres persiste a carência de alimentação e quantas vidas sucumbem diante dessa realidade. Erradicar a fome no mundo faz parte dessa nova era global para preservar a paz e da subsistência da terra, a escassez não vem tanto no aspecto material, mas na falta de recursos sociais. O gesto da Eucaristia, partilha, doação, nos recorda constantemente que há uma fome que só Jesus pode saciar, e há uma outra que com Ele podemos aprender a sanar. Dar de beber a quem tem sede (Mt 25,35). A água tem um profundo significado no mundo bíblico e hoje é discutido em seu significado ecológico no compromisso de conservação dos mananciais e do acesso a todos a água potável. Vestir o nu (Mt 25,36). Na Bíblia a nudez tem um tom negativo, seja como fruto do pecado ou da indigência de quem não tem o necessário para defender-se do frio. Repartir, como fizeram alguns santos, é um gesto de solidariedade humana. Acolher o forasteiro (Mt 25,35). Israel, em sua condição de peregrino, não deve esquecer a sua experiência e deve estar atento aos que sofrem a mesma condição. Algumas sociedades se organizam com centros de acolhimento ao forasteiro. Assistir os enfermos (Mt 25,36). A doença revela a fragilidade humana em sua finitude, por isso a Sagrada Escritura recomenda a visita, a presença e o conforto (oração, unção dos enfermos [At 28,8s; Tg 5,14s]), também a ajuda necessária. Visitar os presos (Mt 25,36). A solidão gerada pelo isolamento da sociedade deve solicitar da mesma algum gesto de solidariedade ao encarcerado. No mundo bíblico, particularmente do Novo Testamento, a comunidade cristã deve ser solidária (comunhão de oração) e presente materialmente aos encarcerados por motivos de fé, como o foram os apóstolos e o próprio Paulo. A Pastoral Carcerária leva em conta não somente o preso, mas também sua família. Por traz desse trabalho há também uma reflexão de caráter político sobre a dignidade do homem e dos direitos humanos.  Enterrar os mortos (Tb 1,17; 12,12s). Essa prática comum a muitos povos, era vista por Israel como uma obra de piedade, particularmente destacada no livro de Tobias. Quanto a cremação, mesmo preferindo a inumação, a Igreja já não faz objeção em acompanhar religiosamente os que fazem tal opção. Essa obra de misericórdia está associada à nossa fé na imortalidade do ser humano.
    Os seres humanos sofrem carências relativas à sua dimensão espiritual, daí as obras de misericórdia espirituais, que tem um valor ainda maior que as de ordem material. Se as outras obras podem ter um caráter mais comunitário ou organizativo para vivê-las, as de ordem espiritual são confiadas a cada indivíduo. A sua formulação remonta a época patrística, já com Orígenes e sua interpretação alegórica de Mt 25. Santo Agostinho estendeu tal reflexão sendo coroada no mundo acadêmico particularmente por São Tomás de Aquino. Elas estão agrupadas nos três blocos que se seguem.
- Ser vigilantes. Um olhar para fora de nós mesmos, numa atitude de compaixão e amor em relação a todos os necessitados e em favor dos ignorantes e errantes. Dar bom conselho, que conduzam para o bem e a salvação do indivíduo, tanto quanto é importante ‘ouvir’ o próprio coração ou a consciência, pedindo a Deus a sabedoria necessária. Para o nosso tempo o mais sensato é aconselhar provocando interrogações quando se está em jogo o sentida da vida e o futuro do indivíduo. Ensinar os ignorantes, vai na linha da ajuda aos que querem compreender os caminhos da fé. Corrigir o que erra, particularmente no contexto dos conflitos que se dão na comunidade de fé (Mt 18,15-17; cf. Tb 3,10), a chamada correção fraterna. Esta exige discernimento sobre o quando, o modo, o conteúdo necessário, como ajuda e não como juízo, tendo presente a regra de ouro: faça ao outro o que você gostaria que lhe fizessem.
- Ter espírito conciliador. Tal espírito se exerce como atributo fundamental do discípulo de Cristo. Consolar os tristes. O Deus consolador foi experimentado por Israel em vários momentos de sua história; Jesus é também consolador, pois oferece alívio a todos aqueles que estão cansados e esgotados (cf. Mt 11,28-30). Paulo bem o experimentou em suas tribulações. A função de consolar, na Igreja, é essencial já que testemunha o Deus que consola os pobres e aflitos. Perdoar as injúrias. O Deus que perdoa nos convida a perdoar, exorta Jesus, ao mesmo tempo que nos chama à consciência de que também somos pecadores. Só o perdão possibilita uma um novo amanhã. Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo. Se Jó é o modelo de paciência no Antigo Testamento, a paciência de Jesus sublinha a sua tolerância para com o pecador. A paciência é fruto do Espírito, tal como o amor. Suportando pacientemente as limitações alheias devemos refletir sobre as nossas que também são um peso para os outros.
- Orar (rogar a Deus pelos vivos e defuntos). A oração tem profunda relação não só com Deus, mas com a vida. Ela traduz nossa comunhão eclesial que nos leva a rezar uns pelos outros, e também pelos que já partiram, pois em nenhum momento se interrompe essa união, já que cremos na ressurreição e expressa a nossa comunhão com os santos. A oração de intercessão prepara e dispõe para viver e aceitar a vontade de Deus, seja ela qual for.
    Pelas obras de misericórdia se testemunha de maneira concreta o amor preferencial pelos pobres, que nos lembra o Papa Francisco, não é opcional, mas uma questão básica do Evangelho. A opção e o amor preferencial pelos pobres implicam uma percepção e compreensão das diversas classes de pobreza às quais se referem as obras de misericórdia corporais e espirituais. A pobreza mais elementar é a de ordem física ou econômica que incluem não só as quatro primeiras obras corporais, mas também a falta de trabalho e de emprego, as doenças e incapacidades graves. Temos a pobreza cultural com o analfabetismo, escassez de oportunidades de formação comprometendo o futuro do indivíduo e gerando a exclusão social e cultural. Tal pobreza contemplam as três primeiras obras espirituais. A pobreza social situa-se no campo da solidão e isolamento, das perdas, das dificuldades de comunicação social, da discriminação e marginalização, etc. Tal realidade é contemplada nas três últimas obras corporais e na quinta e sexta espirituais. Por fim temos a pobreza espiritual e de alma, como a desorientação, o vazio interior, o desconsolo e o desespero sobre o sentido da própria existência. A justiça maior do Reino que buscamos viver e sobre a qual seremos julgados não incluem tanto os mandamentos divinos, mas o bem que somos capazes de fazer. Da doação e do serviço ao modelo de Jesus, pois a misericórdia supera a justiça.


 Pe. João Bosco Vieira Leite

Celebrar o Jubileu da Misericórdia


  Esse é o primeiro aspecto apresentado na coleção “Misericordiosos como o Pai” do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização publicado pelas editoras Paulinas e Paulus aqui no Brasil. A coleção consta de oito volumes cujos aspectos gostaria de compartilhar com vocês que buscam melhor vivenciar esse período: “Cada vez que a Igreja celebra os sacramentos, não faz mais do que tornar sempre viva e presente a misericórdia do Pai, que age através do Filho e transforma o coração dos inquietos e a matéria dos sacramentos em graça eficaz para a nossa salvação” (Celebrar a Misericórdia – Subsídio Litúrgico).
  Se há um aspecto que sempre marcou os muitos jubileus celebrados pela nossa Igreja são as celebrações litúrgicas que aconteceram em Roma, presididas pelo Santo Padre. A inovação de Francisco, que desde sempre vem nos surpreendendo em seu pontificado foi estender às Igrejas particulares, particularmente às igrejas catedrais, a abertura de uma ‘posta santa’ para um maior envolvimento das dioceses espalhadas no mundo inteiro na vivência desse Ano Santo, em comunhão com a Igreja em Roma. Cada diocese pode também indicar outras igrejas para a peregrinação dos fiéis que julgar oportuno para melhor abranger e envolver a diocese. 

- O Ano Litúrgico.

  Nesse ano litúrgico que estamos celebrando, o evangelho de Lucas (Ano C) traz especial retrato da misericórdia divina em muitos dos seus textos. Oportunamente devemos tornar ainda mais evidente a cada domingo, onde celebramos o mistério pascal, como os fiéis podem viver tais aspectos da misericórdia divina, incutindo esse pensamento da prática da caridade e do apostolado, pois nossa relação com o Senhor implica a partilha desse amor que ele faz arder em nosso coração. Nossa alegria verdadeira está em permanecer em comunhão com o seu mandamento de amor.
  A Quaresma, por sua natureza, já nos convida a uma especial contemplação da misericórdia divina com os ritos próprios desse período. O Papa nos lembra e nos pede a especial meditação das páginas da Sagrada Escritura que nos ajudam a redescobrir o rosto misericordioso de Deus. Mais à frente comentaremos sobre as parábolas da misericórdia, outro volume dessa publicação do Conselho Pontifício. A Quaresma tem como fim a celebração da Páscoa e para bem celebrá-la revivemos a necessidade da conversão como caminho de renovação espiritual, tendo a Semana Santa e o Tríduo Pascal como cume desse caminho espiritual/litúrgico que revelam o desejo salvador de Deus que se perpetua ao longo da história. Sim, seu amor é sem fim e nas águas do batismo renovamos nossa fé para experimentarmos também hoje esse amor. 
  Outras festas e solenidades do calendário litúrgico nos servirão de oportunidade para trazer à tona esse tema da misericórdia. O subsídio lembra a Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro) e a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus (03 de junho). A cruz como sinal eminente da misericórdia de Deus e da vitória de Cristo sobre a morte pode ganhar especial atenção durante o Ano Litúrgico. O olhar contemplativo a essa realidade íntima e essencial do Filho de Deus em seu Coração, sede da misericórdia do Pai, seja acompanhada de momentos de oração pelos sacerdotes, primeiros dispensadores da misericórdia divina, e pela vida consagrada (religiosos e religiosas). Esse ano celebra-se os cento e sessenta anos da instituição dessa festa por Pio IX, em 1856.

- A Celebração dos Sacramentos
                
  A celebração dos sacramentos nesse ano deve fazer transparecer “a misericórdia e a solicitude do Pai por cada um dos seus filhos”. Além da Eucaristia, como celebração central da fé, outros sacramentos devem ganhar especial atenção: o Batismo, a Reconciliação e sua estreita relação com o sacramento da Eucaristia, a Unção dos Enfermos.
  Nesses últimos tempos se vem enfatizando a questão do acolhimento e particular atenção aos que tentam se aproximar da comunidade após um certo período de afastamento ou mesmo a aproximação destes a partir de sua realidade existencial. A ênfase ao Ato Penitencial num maior uso da diversidade oferecida pelo Missal como chamado a celebração da misericórdia. Nas preces se façam presentes o desejo da ação da misericórdia de Deus sobre o povo, sobre os sacerdotes. O uso maior das orações Eucarísticas da reconciliação I e II. A presença da Virgem Maria, mãe de misericórdia possa se destacar pelas missas votivas que enfatizam a sua presença na caminhada eclesial tanto quanto as outras missas e orações pelas várias necessidades.

- Rezar Juntos

  Além de programar momentos de oração comunitária, ressalte-se o valor da Oração da Liturgia da Horas rezada com a comunidade particularmente a Laudes e Vésperas que ressalta a importância e o alimento espiritual que os salmos trazem à vida cristã. Particularmente se tenha a atenção para os salmos da misericórdia, dedicando-lhes, se possível algum comentário que ressalte sua riqueza.
  A Adoração ao Santíssimo, já presente na vida comunitária é um momento oportuno para implorar o perdão e a paz. A proximidade das Igrejas cristãs pode também promover momentos específicos de oração onde a procura da unidade, do respeito recíproco e da paz dos corações favoreçam sempre mais a aproximação dos irmãos que comungam da fé no mesmo Deus.
  Um outro elemento que não se pode desprezar é o que diz respeito às práticas da piedade popular. A peregrinação é um desses costumes que entram particularmente no calendário celebrativo dessa no da misericórdia, tão presente na tradição do Antigo testamento, serve de sinal para o caminho que cada pessoa faz na sua existência. As devoções que cercam o mistério da Cruz, como a Via-Sacra, particularmente na Quaresma, as devoções voltadas para Virgem Maria, Mãe do crucificado a recitação do Terço da Misericórdia, chamada no texto ‘Coroinha à Divina Misericórdia’, já que a o nome ‘terço’ diz respeito a ‘uma parte de’, o que não se aplica a essa devoção. Divulgação e recitação da Oração pelo Jubileu da Misericórdia.
  Alguns lugares e elementos ganham particular relevância em seu apelo simbólico, como o altar de nossas igrejas onde se dá o sacrifício de Cristo e o baquete eucarístico. A porta dos nossos templos e particularmente dos locais de indulgência esse ano, devem ganhar particular destaque. A fonte batismal onde a Igreja nasce e renasce constantemente para os o a tem como lugar fixo, uma melhor iluminação e adorno necessário sem esquecer a presença do Círio Pascal. O confessionário fixo deve ser também revisado como lugar que realmente favoreça a celebração penitencial tanto quanto o acolhimento do fiel.
  Recorda-se a prática da comunhão espiritual para aqueles que por algum motivo estejam impedidos de participar da Eucaristia. A prática de recolher-se em si mesmo no momento da celebração ou mesmo como prática espiritual durante o dia ou na visita ao Santíssimo Sacramento, expressões do ardente desejo de receber Jesus em seu coração.

- Lectio Divina 

  A Leitura Orante da Palavra de Deus tem ganhado particular destaque nesses últimos anos, quase como uma redescoberta desse tesouro da fé. Assim o subsídio oferece alguns trechos da Sagrada Escritura acompanhados do comentário que está no volume “As parábolas da Misericórdia” com alguns salmos para a oração, seguindo o esquema: Escutar (ler), Meditar (refletir sobre o texto servindo-se de algum comentário ou mesmo das notas vindas na Bíblia), Rezar (de modo pessoal, sobre o que esse texto diz para você ou servir-se de alguns salmos relacionados ao texto).  Ali estão: A Parábola do Filho Pródigo (Lc 15) + Salmos: 51 e 25; A Parábola do Bom Samaritano (Lc 10) + Salmos: 41 e 142; A Pecadora que lava os pés de Jesus (Lc 7) + Salmos 24 e 42.

Conclusão: O subsídio sobre a celebração do Jubileu se encerra com um rito para a abertura da Porta Santa tanto em Roma quanto nas Igrejas particulares e o rito de encerramento do Jubileu nas Igrejas particulares.   

Oração para o Jubileu da Misericórdia

Senhor Jesus Cristo,
Vós que nos ensinastes a sermos misericordiosos como o Pai celeste,
e nos dissestes que quem Vos vê, vê a Ele.
Mostrai-nos o Vosso rosto e seremos salvos.
O Vosso olhar amoroso libertou Zaqueu e Mateus da escravidão do dinheiro;
a adúltera e Madalena de colocar a felicidade apenas numa criatura;
fez Pedro chorar depois da traição
e assegurou o Paraíso ao ladrão arrependido.
Fazei que cada um de nós considere como dirigida a si mesmo as palavras que dissestes à mulher samaritana:
Se tu conhecesses o dom de Deus!
Vós sois o rosto visível do Pai invisível,
do Deus que manifesta Sua onipotência, sobretudo com o perdão e a misericórdia.
Fazei que a Igreja seja no mundo o rosto visível de Vós, Senhor, ressuscitado e na glória.
Vós quisestes que os Vossos ministros fossem também eles revestidos de fraqueza,
para sentirem justa compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro:
fazei que todos os que se aproximarem de cada um deles se sintam esperados, amados e perdoados por Deus.
Enviai o Vosso Espírito e consagrai-nos a todos com a Sua unção,
para que o Jubileu da Misericórdia seja um ano de graça do Senhor
e a Vossa Igreja possa, com renovado entusiasmo, levar aos pobres a alegre mensagem e
proclamar aos cativos e oprimidos a libertação;
aos cegos restaurar a vista.
Nós Vo-lo pedimos por intercessão de Maria, Mãe de Misericórdia,
a Vós que viveis e reinais com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos.
Amém.


Para viver o Ano Jubilar da Misericórdia



                Queridos irmãos e irmãs que nos acompanham através desse blog, nosso desejo é ajudá-los a vivenciar esse ano da Misericórdia partilhando com vocês alguns artigos inspirados no material que o Conselho Pontifício da Nova Evangelização preparou esse ano em que foi publicado conjuntamente pela Paulus e Paulinas. São oito livros com temáticas diferentes cujas ideias principais ou linhas de reflexão partilharemos com vocês.
                Nós já trabalhamos a Bula papal em nossos encontros de formação no ano anterior, por isso o nosso primeiro texto a ser partilhado é uma síntese da mesma para situar-nos no contexto do convite feito pelo Santo Padre. Certamente há outros subsídios na internet que podem também ser interessantes. A nossa humilde contribuição quer apenas situar-nos no contexto desse ano jubilar. Bom proveito!

                                                                                                              Pe. João Bosco Vieira Leite.



TEXTO 01
        Síntese da Bula de convocação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia
Vaticano, 11 de abril de 2015
Boletim da Santa Sé
Tradução: André Cunha

A Bula de convocação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia intitulada “vultus Misericordiae” se compõe de 25 números. O Papa Francisco descreve as principais características da misericórdia, definindo o tema, antes de tudo, à luz do rosto de Cristo. A misericórdia não é uma palavra abstrata, mas um rosto para reconhecer, contemplar e servir. A Bula se desenvolve em chave trinitária (número 6-9) e se estende na descrição da Igreja como um sinal visível da misericórdia: “A misericórdia é a viga mestra que sustenta a vida da Igreja” (n . 10).
Francisco indica as etapas principais do Jubileu. A abertura coincide com os 50 anos da conclusão do Concílio Vaticano II: “A Igreja sente a necessidade de manter vivo este evento. Para ela, iniciava um novo período de sua história. Os padres reunidos em Concílio haviam percebido intensamente, como um verdadeiro sobro do Espírito, a exigência de falar de Deus aos homens de seu tempo de um modo mais compreensível. Derrubadas as muralhas que por muito tempo haviam isolado a Igreja em uma cidadela privilegiada, havia chegado o tempo de anunciar o Evangelho de um modo novo” (n. 4). A conclusão terá lugar na Solenidade litúrgica de Jesus Cristo Rei do Universo, em 20 de novembro de 2016. Neste dia, fechando a Porta Santa, teremos antes de tudo, sentimentos de gratidão e apreço à Santíssima Trindade por haver-nos concedido um tempo extraordinário de graça. Encomendaremos a vida da Igreja, da humanidade inteira e o imenso cosmos ao Senhorio de Cristo, esperando que difunda sua misericórdia como o orvalho da manhã para uma história fecunda, que ainda será construída com o compromisso de todos num futuro próximo.
Uma particularidade deste Ano Santo é que não será celebrado só em Roma, mas em todas as dioceses do mundo. A Porta Santa será aberta pelo Papa na Basílica de São Pedro em 8 de dezembro e no domingo seguinte em todas as Igrejas do mundo. Outra novidade é que o Papa dará a oportunidade de abrir a Porta Santa também em todos os Santuários, destino de muitos peregrinos.
O Papa Francisco recorda o ensinamento de São João XXIII que fala da “medicina da Misericórdia” e Paulo VI que identificou a espiritualidade do Vaticano II como a do Bom Samaritano. A Bula também explica alguns aspectos importantes do Jubileu: o primeiro é o lema “Misericordiosos como o Pai”, a continuação do sentido da peregrinação e sobretudo a necessidade do perdão. O tema particular que interessa ao Papa se encontra no número 15: as obras de misericórdia espirituais e corporais devem redescobrir-se “para despertar nossa consciência, muitas vezes adormecida frente ao drama da pobreza, e para entrar ainda mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina”. Outra indicação faz relação com a Quaresma com o envio dos “Missionários da Misericórdia” (n. 18). Nova e original iniciativa, com a qual o Papa quer ressaltar de forma mais concreta seu cuidado pastoral. O Papa trata nos números 20 e 21 o tema da relação entre justiça e misericórdia, demonstrando que não se detém a uma visão legalista, mas aponta a um caminho que desemboca no amor misericordioso.
O número 19 é um firme lamento contra o crime organizado e contra as pessoas “promotoras ou cúmplices” da corrupção. São palavras muito fortes com as quais o Papa denuncia esta “chaga apodrecida” e insiste para que neste Ano Santo haja uma verdadeira conversão: “Este é o tempo oportuno para mudar de vida! Este é o tempo para deixar tocar o coração. Diante de tantos crimes cometidos, escuta o choro de todas as pessoas depredadas por vocês na vida, na família, nos afetos e na dignidade. Seguir como estais é só fonte de arrogância, de ilusão e de tristeza. A verdadeira vida é algo bem distinto do que agora pensais. O Papa os estende a mão. Está disposto a ouvi-los. Basta somente que acolhais o apelo à conversão e vos submetais à justiça enquanto a Igreja vos oferece misericórdia” (n. 19).
A referência à Indulgência como tema tradicional do Jubileu se expressa no número 22. Um último aspecto original é o da misericórdia como tema comum entre os Judeus e Muçulmanos: “Este ano Jubilar vivido na misericórdia pode favorecer o encontro com estas religiões e com as outras nobres tradições religiosas; nos faça mais abertos ao diálogo para conhecê-las e compreendê-las melhor; elimine toda forma de impasse e desprezo, e leve qualquer forma de violência e de discriminação” (n. 23).
O desejo do Papa Francisco é que este Ano, vivido também no compartilhamento da misericórdia de Deus, possa converter-se em uma oportunidade para “viver no dia a dia a misericórdia que desde sempre o Pai dispensa a nós. Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca se cansa de abrir a porta de Seu coração para repetir que nos ama e quer compartilhar conosco a sua vida… […] Que este Ano Jubilar da Igreja se converta em eco da Palavra de Deus que ressoa forte e decidida com palavra e gesto de perdão, de suporte, de ajuda, de amor. Nunca se canse de oferecer misericórdia e seja sempre paciente em confortar e perdoar. A Igreja se faça voz de cada homem e mulher e repita com confiança e sem descanso: ‘Lembra-te, Senhor, de tua misericórdia e de teu amor; que são eternos.’”